terça-feira, fevereiro 15, 2005
Eu não estou de luto nem respeito Fátima
Existe uma apreciação ética, e portanto social, a fazer sobre a morte de Lúcia dos Santos.
É evidente que a morte de qualquer pessoa me merece respeito, e que posso decidir associar-me a cerimónias de luto se conhecer o falecido ou se isso confortar as pessoas das suas e das minhas relações. Mas não me associo ao luto por quem não conheci nem me deu razões para respeito, como é obviamente o caso da falecida Lúcia dos Santos. Não respeito quem participa em maquinações rocambolescas com o objectivo de ludibriar milhões de pessoas para fins religiosos, políticos e comerciais. E como é por todos reconhecido, a referida senhora ou foi a verdadeira criadora do mito de Fátima, ou foi conivente nessa manobra obscurantista, manobra em qualquer dos casos sinistra e lesiva da imagem e dos valores da sociedade portuguesa. Pois não é salutar para a imagem de Portugal que sejamos vistos como um povo que se ajoelha, arrasta e humilha à passagem de uma boneca de louça e de pau. Não é benéfico para o bem comum de uma sociedade que se propagandeiem como dignos e desejáveis comportamentos anti-sociais (como faltar à escola para rezar), ou doentios (como a autoflagelação ou os jejuns desregrados), ou supersticiosos (como a ideia de que uma mulher morta há dois mil anos poderia surgir empoleirada numa azinheira, ou que o sol pode ser visto a «rodar» em Ourém mas não em Lisboa).
Eu escolho um país moderno, a capacidade crítica das pessoas, o espírito científico, a instrução dos petizes e o amor-próprio. Fátima é o contrário de tudo isto.
É claro que as pessoas são tão livres de se arrastar de joelhos como de ser sado-masoquistas, de acreditar na «virgem» como em Alá, e que ninguém deve proibir comportamentos de outrem que não nos afectem. Porém, não me peçam para «respeitar» quem promove o obscurantismo e comportamentos consabidamente nocivos. Do mesmo modo, não se pode impedir as pessoas de ter convicções anti-democráticas, mas não me peçam para deixar de combater e denunciar alguém que passou atestados de «enviado de Deus» a Salazar.
A finalizar, convém acrescentar que a senhora Lúcia dos Santos me respeitava menos do que eu a ela. Aliás, pediu em diversas ocasiões que se limitasse a liberdade de expressão por «Deus já [estar] muito ofendido». Eu nunca pensaria em coarctar a sua liberdade de proclamar disparates religiosos ou outros, embora ela desejasse claramente impedir pessoas como eu de escreverem textos como este. Aqui fica.
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