domingo, junho 05, 2005
Serendipidade II
De acordo com a denominada (e muito contestada, pelo menos na sua versão «forte») «hipótese de Sapir-Whorf», a representação do mundo e a cultura de uma comunidade são organizadas em estreita união com a língua dessa comunidade. Ou seja, há de certa forma uma determinação linguística do pensamento. Tal como parece sugerir a citação de Wittgenstein utilizada por Godard, tal indicaria que a nossa compreensão do mundo é limitada pela linguagem com que o pensamos e descrevemos. Pessoalmente considero a formulação whorfiana demasiado redutora embora também não subscreva a versão «cor-de-rosa» da mentalese, a linguagem do pensamento, suposta universal e sem palavras, uma espécie de código máquina para o homem, proposta por Jerry Fodor nos anos setenta e desenvolvida mais recentemente por Steven Pinker.
Mas esta hipótese de Sapir-Whorf, de certa forma, aplica-se à ciência. Ou seja, a sociedade em geral não é permeada pela ciência mais formal matematicamente, como a mecânica quântica, relatividade geral ou super-cordas, porque esta expressa-se numa linguagem que não é acessível a todos e explicações que são claras em matemática são incompreensíveis em qualquer outra linguagem.
Por outro lado, a representação de um fenómeno é limitada pela linguagem usada para o descrever. Por exemplo, a mecânica quântica pode ser formulada matematicamente usando quer a mecânica ondulatória de Schrödinger quer a mecânica matricial de Heisenberg.
Só depois da publicação, em 1932, do livro «The Mathematical Foundations of Quantum Mechanics» de John von Neumann, se estabeleceu a base matemática rigorosa da teoria quântica. Neumann, considerado o mais brilhante matemático europeu, decidiu desenvolver a sua própria versão da mecânica quântica após ter assistido a uma conferência de Heisenberg sobre mecânica matricial. No livro, Neumann descreve a teoria de operadores (álgebra de Neumann) «inventada» para explicar determinados aspectos da mecânica quântica. Em grande parte devido ao seu trabalho foi provada a equivalência matemática entre o formalismo de Schrödinger e de Heisenberg.
A mecânica ondulatória de Schrödinger tornou-se a descrição mais popular por ser menos «hermética» matematicamente, mais «visualizável» e consequentemente mais fácil de entender que a mecânica matricial de Heisenberg. Usamos as funções de onda que são solução própria da equação de Schrödinger para descrever os electrões, por exemplo num átomo ou molécula, mas poderíamos usar o formalismo de Heisenberg. E isso não implica que as orbitais sejam entidades metafísicas! São apenas a representação dos electrões na linguagem de Schrödinger!
O mesmo se poderia dizer sobre a formalização matemática/geométrica de Einstein da relatividade geral que corresponde à acção da gravidade, tal como a apercebemos e descrevemos, de curvar o espaço-tempo.
Ou seja, confundir a linguagem com o fenómeno em si, o fenómeno com a sua representação e afirmar que os cientistas optam pelas explicações mais simples ou mais fáceis por razões metafísicas, que, por exemplo, a quarta dimensão do espaço-tempo é uma teoria metafísica, é um absurdo que espero ter ajudado a desmistificar!
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