quarta-feira, março 15, 2006
Onde está o bom-senso, onde está a realidade?
A propósito do seu novo filme, Manoel de Oliveira cometeu declarações no Diário de Notícias que, para ser simpático, me limito a qualificar como disparatadas: «Agora tiram o véu às meninas que vão ao colégio com véu, tiram os Cristos de algumas escolas, é proibido ter qualquer religião mas não é proibido ser ateu ou laico. Onde é que está a liberdade, onde é que está a tolerância?»
A minha vontade é responder ao conhecido realizador de cinema perguntando-lhe «onde está o bom-senso, onde está a realidade?». Efectivamente, a última vez que me dei conta de um esforço significativo para impedir alguém de ter uma dada religião em Portugal foi há exactamente dez anos, quando houve uma campanha pública contra um pequeno grupo evangélico neo-pentecostal, a IURD. Na altura, chegou-se mesmo a destruir um local de culto desta religião e a IURD foi expeditamente despejada de vários templos que não estavam devidamente autorizados. Não se constata zelo comparável na aplicação das leis quando está em causa a religião que inspira Manoel de Oliveira no seu último filme, e não me recordo de o realizador nonagenário ter defendido a liberdade de religião dessa igreja que tinha métodos de marquetíngue tão eficazes, mas que era talvez popularucha demais para a selecta estética oliveiriana.
Devo ainda acrescentar que na minha cabecinha ateísta não pode ser classificada senão como humorística a ideia de que tirar crucifixos das escolas públicas seja «proibir qualquer religião». Parece-me que impô-los a quem não os quer será, isso sim, senão «proibir» o ateísmo ou qualquer religião que não tome o crucifixo como símbolo (ou seja, todas à excepção do catolicismo), pelo menos obrigar quem não segue o catolicismo a conviver com uma religião que rejeita. Mas admito que isto sou eu, com esta minha mania de que são as pessoas e não as sociedades que têm religião e que, horror dos horrores, ninguém deve ser obrigado a seguir uma religião que não deseja.
No fundo, o melhor de Manoel de Oliveira sempre foi a comédia, e é nessa categoria que se devem arquivar as suas declarações.
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