segunda-feira, novembro 20, 2006

 

Teologia e Ciência

Francisco Sarsfield Cabral (FSC) fez dia 18, no Diário de Notícias, uma série de considerações sobre Ciência e Fé com as quais eu discordo profundamente.
O discurso de FSC é um discurso recorrente sobre a inexistência de incompatibilidade entre a Fé e a Ciência. Neste tipo de argumentação surgem vários canones da argumentação apologética que seria interessante enumerar. Antes disso, convém fazer alguns comentários sobre as citações que FSC apresenta.

Disse FSC que o papa havia dito esta semana que «o Cristianismo não implica um conflito inevitável entre a fé sobrenatural e o progresso científico».
A mitologia grega não implica um conflito inevitável entre a fé sobrenatural e o progresso científico. Hoje em dia ninguém se preocupa em tentar saber se os cavalos alados podem surgir da mistura entre água marinha e o sangue de mulheres com serpentes em vez de cabelo.

Os mitos tupi-guarani não implicam um conflito inevitável entre a fé sobrenatural e o progresso científico. Ninguém espera que um dia a comunidade científica se retracte e diga «afinal estávamos enganados. O Universo foi mesmo criado por Tupã, o deus-trovão, começando numa pequena região do Paraguai».

Nenhuma mitologia, de facto, cria qualquer tipo de conflito. Mitologias são histórias inventadas. O que cria o conflito é o crédito que se dá a algumas mitologias ou parte delas. É a fé que cria esse conflito.

Existem pessoas dedicadas a estudar o mundo natural. Essas pessoas recorrem à Ciência para conhecer melhor o mundo. A Ciência é a melhor ferramenta de que dispomos para estudar o Universo. Pelo outro lado, não há ninguém no mundo a quem possamos referir-nos como um "especialista no sobrenatural". Nem o Dalai Lama nem o papa são melhores especialistas no sobrenatural do que Hesíodo ou Tolkien. A diferença entre um mitólogo e um crente é que o crente acha mesmo que a sua crença é real.

Portanto o real não tem qualquer tipo de conflito com o imaginário. O conflito surge quando alguém argumenta que uma fracção do seu imaginário faz parte do mundo real. Isso faz toda a diferença. É que então entramos na área da Ciência.
Os cientistas são assim acusados de recusar Deus nas suas teorias e de fundamentalismo por se fecharem a essa hipótese. Mas o que dizer do oposto? Que dizer dos que querem ver Deus nas teorias científicas e que se recusam a vê-lo sair? Não estarão esses os culpados do conflito? Porque alguns deles dizem que o conceito cristão de criação não está no plano científico. Porque se recusam então a aceitar que Deus não faça parte do plano científico?

No caso da origem e evolução do Universo, as exigências dos católicos não são inocentes. Dizer que Deus está por detrás da criação do Universo pode ser uma tese inocente do ponto de vista de um panteísta - é de facto algo irrelevante cientificamente. Por outro lado, afirmar que esse Deus é inteligente e que criou o mundo com um objectivo é algo completamente diferente.

É como querer dar uma colher de óleo de fígado de bacalhau a uma criança e para isso tentar diluí-la em água - não mistura. Se tentarmos emulsioná-la, continua a saber mal. Há então que diluí-la várias vezes até o sabor a óleo de fígado de bacalhau se perder quase por completo. E depois afirmar que conseguimos dar uma valente colherada ao miúdo.

Assim querem os teólogos forçar o divino na Ciência. Dizem que Ciência e Fé não estão em conflito. Secularizam o divino até se perder o sabor a Génesis na tentativa de ver um dia os cientistas admitirem uma coisa chamada Deus. E para depois alardoarem que afinal, o Universo é uma criação divina - não hindu, nem tupi-guarani, mas cristã.




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