domingo, novembro 27, 2005

 

O exorcismo de Emily Rose

Já estreou em quase todo o mundo o filme que dá o titulo ao post, baseado num caso real passado há 29 anos na Baviera. Em 1976, Anneliese Michel, uma estudante de 23 anos que acreditava estar possuída por demónios, morreu após se ter submetido a 67 ritos de exorcismo durante nove meses. A jovem pesava pouco mais de 30 kg à altura da morte. Os pais e os dois padres que realizaram o exorcismo foram considerados culpados de homícidio negligente e condenados a seis meses de prisão efectiva e 3 anos de pena suspensa.

Para perceber as razões subjacentes à convicção da possessão demoníaca pela jovem é necessário saber que Annelise Michel cresceu num ambiente profundamente católico, três das suas tias eram freiras e o seu pai tinha considerado a ingressão num seminário. Mas a mãe de Annelise tinha cometido um «deslize» na juventude e dado à luz uma filha ilegítma, Martha, em 1948. Por essa razão casou-se com o devoto Josef Michel usando um véu negro e, praticamente desde que nasceu em 1952, Anneliese carregou a culpa da ilegitimidade da irmã, ilegitimidade que foi encorajada a expiar com constantes devoção e orações. A irmã morreu com oito anos e certamente que o ambiente familiar de fanatismo religioso propiciou um sentimento de culpa crescente na jovem Anneliese e uma necessidade de expiação dos pecados não só da mãe mas igualmente da «imoralidade» que via à sua volta, nos loucos anos sessenta.

Em 1968, com 17 anos, Anneliese teve os primeiros episódios de convulsões e foi diagnosticada com epilepsia. Mas o seu sentimento de culpa pelos «pecados» alheios aliado ao ambiente familiar (doentiamente) católico propiciaram que Anneliese experienciasse alucinações demoníacas quando rezava. Em 1973, data em que foi estreado o filme «O exorcista», sofria de depressão severa e considerava suicídio, uma vez que «vozes» na sua cabeça lhe anunciaram que estava amaldiçoada.

Certamente que a estreia do filme a sugestionou e pouco depois começou a apresentar comportamentos bizarros, muito semelhantes aos de Linda Blair, a Regan no «Exorcista». Em 1975 Anneliese estava tão convencida da sua possessão por demónios sortidos, possessão confirmada por dois prelados católicos, Arnold Renz e Ernst Alt, que identificaram, entre outros, Lúcifer, Judas, Nero, Caim e... Adolf Hitler, que recusou qualquer prescrição médica ou tratamento da Clínica Psiquiátrica de Wurzburg. Os seus sintomas, para além da já diagnosticada epilepsia, sugerem que sofria de esquizofrenia, ambas doenças perfeitamente tratáveis à época.

Mas a sua obsessão religiosa, certamente exponenciada pelo facto de que a Igreja Católica encoraja estas superstições anacrónicas, considerando não só reais a existência de mafarricos e afins como a possessão por demos, levaram-na a preferir a tratamento médico do século XX os exorcismos realizados de acordo com o manual de exorcismo então em vigor, o Rituale Romanum de 1614.

No filme, certamente ao agrado da Igreja Católica, o exorcista é representado como um herói e não como o criminoso que na realidade é. De facto, é absolutamente reprovável e incompreensível que a Igreja de Roma, no século XXI, esteja a recuperar e a exponenciar uma superstição absurda como é a possessão demoníaca.

Por todo o mundo, mesmo o primeiro mundo, assistimos a uma regressão medieval preocupante a crendices inesperadas numa altura em que os avanços científicos desmistificaram e esclareceram as razões biológicas e psíquicas dos comportamentos identificados como possessões demoníacas na época em que a Inquisição mandava para a fogueira bruxas e hereges.

Não faz sentido que a Associação Italiana de Psiquiatras e Psicólogos informe que todos os anos meio milhão de italianos recorram aos (maus) ofícios de exorcistas. Assim como não faz sentido a escalada de possessões demoníacas no mui católico México... Muito menos faz sentido a escalada de mortes devidas a exorcismos. A Igreja de Roma está implicitamente a dar o seu acordo a estes atentados civilizacionais quando encoraja estas palermices supersticiosas e potencialmente perigosas, com declarações bem recentes pelo papa que reconheceu o «importante trabalho ao serviço da Igreja» dos exorcistas.




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