quinta-feira, março 09, 2006

 

O regresso aos bons costumes

Eu sei que ao comentar a última declaração de Ratzinger pode parecer um bocado que estou a bater no ceguinho, afinal não há nela um pingo de originalidade, não existe nada que qualquer ateu consciente não rejeitasse completamente. Mas mesmo assim vou comentar porque o dia em que pararmos de denunciar estes lobos com pele de cordeiro é o dia que deixa de existir uma voz de dissidência na sociedade e isso é o pior que pode acontecer, é a estagnação e, eventualmente, a morte.

Dizem que os fanatismos se alimentam uns dos outros e parece ser esse o caso nesta declaração em que o papa utiliza o medo ao islão para promover os seus próprios fins: a ressurreição da moribunda fé católica europeia. Segundo este arauto da luz só regressando às suas origens de valores absolutos (católicos) é que a Europa poderá sobreviver à "invasão" arábica.

Eu gostaria que de uma vez por todas o Vaticano saísse das sombras e dissesse claramente o que pretende, quais são os tão desejáveis valores absolutos que anseia. Serão os mesmo que defenderam no passado? O abuso sistemático e contínuo das mais básicas liberdades humanas? O conluio que fizeram com o poder monárquico para manter as duas instituições (igualmente irracionais e ilógicas) de pé? O poder de julgar qualquer indivíduo? Poder secular directo e imediato por parte dos seus sacerdotes? A asfixia cultural/intelectual de um continente inteiro? A instauração de um clima de medo opressivo que virou vizinho contra vizinho, amigo contra amigo, pai contra filho? O regresso aos maravilhosos esforços de conversão nas ex-colónias (envolvendo a destruição selvática de muitas sociedades locais que até hoje não recuperaram dos demónios que os padres implantaram no seu seio - para não mencionar as que foram totalmente aniquiladas)?

O que hoje se identifica como valores na Europa (tolerância, individualidade, liberdade, etc) pouco ou nada estão relacionados com a prática ou pregações da Santa Madre Igreja ao longo dos séculos. De facto só foram possíveis destruindo o antigo regime que os precedeu. O que o Vaticano propõe como solução para os males do mundo pode ser resumida da seguinte forma: muitos islâmicos advogam o radicalismo e por isso a única maneira de sobreviver é a civilização Europeia regredir ao seu nível de barbárie. E a Igreja Católica oferece-se como guia altruísta para esse percurso.

Esta é a linguagem do medo e da confusão, é o apelo ao simplismo, à negação em enfrentar uma realidade complexa sem soluções fáceis e dogmáticas que evitem as desagradáveis tarefas de ter que pensar e inovar. Esta repetição até à exaustão de uma suposta decadência moral Europeia não visa mais que assustar (como em tempos fizeram com outros medos) os cidadãos com os medos que afectam a sociedade actual. A experiência é o melhor guia e o passado da instituição e dos ideias fala por si, não devemos nunca mais tornar-nos na civilização de ovelhas dirigida pelo tirano romano.

O presente de Roma está envenenado e apenas reflecte a sua incapacidade de lidar com o mundo nos seus moldes actuais, tanto que a única solução para eles reside num regresso ao passado, mas para sua infelicidade o tempo não volta atrás e se aprendemos alguma coisa nestes séculos foi a desconfiar de todos os que ambicionam o poder absoluto e que para o atingir tentam subornar os Europeus com promessas de potência e de regresso aos bons velhos tempos.




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