quarta-feira, agosto 09, 2006

 

Inconsistências cristãs

Considerando que a violência que conturba o nosso Mundo está ligada à religião, pareceria pacífico concluir que menos religião, pelo menos na esfera pública, implicaria menos violência. A maioria dos crentes nega este facto experimental, argumentando que o problema é a deturpação da religião e o seu aproveitamento, ou então que o problema é a religião dos outros.

Fiquei assim surpreeendida quando li que um teocrata americano, um dos prováveis candidados às primárias presidenciais pelo partido republicano, o ex-porta voz do congresso americano Newt Gringrich, o homem que argumenta estarmos em plena Guerra Mundial III, culpa a religião e o fundamentalismo religioso pelos problemas actuais do mundo:

«O dia em que eles tiverem capacidades biológicas e nucleares a guerra não vai terminar. Se os nossos inimigos tiverem armas nucleares ou biológicas eles vão usá-las. Isto não é União Soviética. A União Soviética era uma burocracia cansada, ateísta. Se alguém for ateísta e então se tornar um bombista suicida não vai para lado nenhum».

Ou seja, Gringrich reconhece que um ateísta é um inimigo mais pacífico e racional porque não acredita numa vida para além da morte e que se os inimigos de que Gringrich fala não fossem tão religiosos não seriam tão violentos. Newt Gingrich basicamente reconhece o que dizemos há muito: os problemas de violência e horror com que o mundo moderno se debate assentam no fundamentalismo religioso. Mas todos os fundamentalismos são iguais e igualmente perigosos: não há fundamentalismos bons e fundamentalismos maus, todos devem ser igualmente combatidos!

Claro que para Newt, um devoto católico, pecador como eles se reconhecem, mas que ama a jesus cristo e como tal deve ser perdoado, apenas o fundamentalismo dos «outros» é um eixo do mal, o fundamentalismo cristão não só é bom como fundamental.

Assim, em casa própria combate com unhas e dentes o secularismo, isto é, a laicidade, e a malvada esquerda (leia-se democratas) que não reconhece que o que urge nos Estados Unidos, que resolveria todos os problemas do Mundo como consequência, é a implantação duma teocracia.

Nomeadamente, ululou contra a decisão do Supremo Tribunal americano que mandou retirar os Dez Mandamentos de salas de tribunal , a que chamou uma decisão «histericamente esquizofrénica e completamente indefensável».

Ou seja, estranhamente o devoto católico, que tão bem conseguiu ver que o fanatismo religioso dos «outros» é uma ameaça à paz, é completamente cego ao seu próprio fanatismo - seja real ou simulado por conveniência política. Políticos como Gingrich, muito aplaudidos pelos teocratas cristãos americanos, são em tudo semelhantes aos seus «inimigos» islâmicos que querem igualmente impor uma sociedade governada por doutrinas religiosas. Também eles deploram a laicidade, que culpam por todos os males do mundo, e insistem que o único governo «bom» é aquele que reconhece na letra da lei a soberania da impossibilidade lógica Deus. Gingrich é a versão cristã dos islamistas, isto é, um nacionalista cristão, uma espécie infelizmente cada vez mais abundante no panorama político ocidental, que combina o nacionalismo exacerbado com o fundamentalismo cristão.

No seu livro «Winning the Future», uma elegia ao capitalismo sem regras, ao imperialismo americano e à teocracia cristã, Gingrich enuncia as cinco maiores ameaças à nação americana, das quais se destacam o terrorismo islâmico e os efeitos devastadores de banir a religião (cristã, claro) da vida pública.

No seu sílabo dos erros da cena política americana destaco dois pontos:

Aliena vitia in oculis habemus, a tergo nostra sunt (literalmente «Não vê a trave que tem no olho e vê um argueiro no do vizinho»; «Não há cego que se veja, nem torto que se reconheça»)




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